Postado por Da Redação | set 24, 2023 | Notícias | 0 |
Empresas flagradas em trabalho análogo à escravidão tem incentivos fiscais de Governo gaúcho
Porto Alegre/RS – A vinícola Aurora, flagrada na prática de trabalho análogo a escravidão contra 207 trabalhadores da Bahia, arregimentados para a colheita da uva na serra gaúcha, foi premiada pelo governador Eduardo Leite (PSDB), com incentivos fiscais de cerca de R$ 40 milhões.
O incentivo foi dado por meio de programas como o Fundo Operação Empresa do Estado do Rio Grande do Sul (FUNDOPEM). No caso da Aurora, o benefício foi aprovado após a operação de resgate dos trabalhadores em situação análoga a escravidão. Segundo reportagem do Jornal do Sul 21, o valor, porém, poderá até ser maior, porque a Unidade de Incentivo do Fundopem (UIF), valor de referência é recalculada a cada mês.
Anteriormente, no dia 09 de março deste ano, as empresas já haviam sido beneficiadas por um acordo assinado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). O acordo sacramentado por meio de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), exclui as vinícolas Salton, Aurora e Garibaldi de qualquer responsabilidade pelo crime a que eram submetidos os 207 trabalhadores resgatados. De acordo com o próprio MPT, 95% dos escravizados se autodeclararam negros (64% pardos e 31% pretos), e 93% nasceram na Bahia.
Uma cláusula do TAC – a XII – das Disposições Finais – que foi omitida à época pelos defensores do pacto, diz: “A celebração do presente termo não significa e não deve ser interpretada como a assunção de culpa ou qualquer responsabilidade das Compromissárias [as vinícolas] pelas irregularidades constatadas no curso da ação fiscal empreendida entre os dias 22 e 25 de fevereiro de 2.023 em Bento Gonçalves, que culminou no resgate de trabalhadores que prestavam serviços para a empresa Fênix Serviços Administrativos e Apoio a Gestão de Saúde Ltda.
TAC CAMARADA
Com isso, as empresas transformaram o pagamento de R$ 7 milhões, à título de indenização por danos morais individuais e coletivos, numa espécie de doação, já que o acordo com o MPT as exclui de responsabilidades e abre caminho para que tenham acesso a mecanismos de renúncia fiscal, tais como a possibilidade de descontarem tais valores nas declarações do Imposto de Renda.
As vantagens para as vinícolas, porém, não são apenas estarem isentas de responsabilidades, o que blinda seus diretores e as próprias empresas da ameaça de terem suas terras expropriadas, conforme prevê o art. 243 da Constituição para quem pratica trabalho escravo. Com o TAC mantiveram aberto o caminho para a concessão e ou renovação de empréstimos e ou financiamentos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
A Lei 11.948, de 16 de junho de 2009, no seu art. 4º, proíbe a concessão ou renovação de quaisquer empréstimos ou financiamentos pelo BNDES a empresas da iniciativa privada cujos dirigentes sejam condenados por assédio moral ou sexual, racismo, trabalho infantil, trabalho escravo ou crime contra o meio ambiente”.
INCENTIVOS PARA SALTON E GARIBALDI
As outras duas vinícolas envolvidas no caso do resgate dos trabalhadores – a Salton e a Garibaldi – também foram contempladas no programa, embora tenham tido os contratos assinados antes do episódio. A Garibaldi receberá incentivos de cerca de R$ 14 milhões, enquanto a Salton receberá R$ 17 milhões.
Segundo o deputado Matheus Gomers (PSOL-RS), os contratos de benefícios fiscais com as vinícolas flagradas utilizando trabalho escravo mostra que, para o governo gaúcho “direitos humanos são respeitados apenas no discurso, e não na prática”.
Em março, o Coletivo Cidadania, Antirracismo e Direitos Humanos formado por advogados de S. Paulo, Rio Grande do Sul, Tocantins e Espírito Santo e constituído pelas entidades Soeuafrobrasileira e Coletivo de Advogados pela Democracia (COADE) de São Paulo, Maria Mulher – Organização de Mulheres Negras, do Rio Grande do Sul e Movimento dos Direitos Humanos do Tocantins, protocolaram no Fórum de Bento Gonçalves Ação Civil Pública pedindo a condenação das vinícolas ao pagamento de uma indenização de R$ 207 milhões (R$ 1 milhão para cada trabalhador escravizado).
A Ação tramita no Fórum de Bento Gonçalves e as vinícolas tem sido beneficiadas, até o momento, pelo silêncio da mídia hegemônica que as patrocina e do próprio Governo que, por meio dos Ministérios, do Trabalho, dos Direitos Humanos e da Igualdade Racial, se manteve e ainda se mantém mudo.