Levantamento considerou o período entre 2012 e 2021. Em 2019, total de pessoas negras em desalento - que querem trabalhar, mas desistiram de procurar emprego - chegou a 3,5 milhões.
Por Gabriella Ramos, g1 Campinas e Região
Crises no mercado de trabalho, como a causada pela recessão de 2015 e, mais recentemente, pela pandemia da Covid-19, impactam com maior intensidade a população negra, além de intensificarem desigualdades. Essa é a conclusão de uma pesquisa realizada pela economista Ana Paula Ribeiro Moreira, do Instituto de Economia da Unicamp.
Dentre os principais pontos levantados pelo estudo, estão:
Em 2012, a população negra representava cerca de 69% das pessoas que desistiram de procurar emprego, aproximadamente 1,32 milhão de cidadãos
A recessão de 2015 interrompeu o processo de redução das desigualdades
Em 2019, esse número subiu para 3,5 milhões, ou 74% dos desalentados
Na pandemia, o índice de pessoas negras que perderam as esperanças de achar um emprego foi para 72,1%, ou 4,2 milhões de cidadãos
Pessoas negras são as que mais sofreram com precariedade ocupacional no período analisado
A pandemia reduziu o rendimento mensal de trabalhadores informais e agravou os impactos negativos da flexibilização das leis trabalhistas
Foram analisados dados de 2012 a 2021 de uma amostra composta por trabalhadores com idade a partir de 16 anos que residiam em ambientes urbanos do país. Em 2012, enquanto a população negra representava cerca de 69% das pessoas que estavam em desalento (ou seja, que desistiram de procurar emprego), em 2019, esse número subiu para 74%, o que corresponde a aproximadamente 3,5 milhões de pessoas.
Total de pessoas negras e não negras que desistiram de procurar emprego (desalento)
Amostra é composta por trabalhadores com idade a partir de 16 anos que residiam em ambientes urbanos do país
Pessoas em desalento (total no ano)
1.321.5121.321.512
1.298.6801.298.680
1.108.3941.108.394
1.412.8861.412.886
2.452.4662.452.466
3.002.9573.002.957
3.445.7993.445.799
3.529.4863.529.486
4.003.0094.003.009
3.844.8913.844.891
577.744577.744
502.920502.920
390.255390.255
520.000520.000
869.328869.328
1.092.1811.092.181
1.219.1111.219.111
1.210.9111.210.911
1.507.7841.507.784
1.498.8051.498.805
Pessoas negras
Pessoas não negras
2012
2013
2014
2015
2016
2017
2018
2019
2020
2021
0
1M
2M
3M
4M
5M
2018
? Pessoas não negras: 1.219.111
Fonte: Ana Paula Ribeiro Moreira/IBGE/PnadC
Já no contexto da pandemia, o “pico” de pessoas negras que desistiram de procurar emprego foi registrado no terceiro trimestre de 2020, totalizando 4,2 milhões de cidadãos (72,1%). No fim de 2021, o índice teve uma leve melhora, chegando a 3,5 milhões de brasileiros.
Linha de frente
De acordo com a pesquisadora, a ideia do estudo veio a partir da própria vivência. “Considerando o papel do economista e sendo uma mulher negra que mora na periferia, minha curiosidade se voltou à minha própria realidade, numa busca da compreensão das minhas vivências de forma social, política e econômica”, conta.
Moreira enfatiza que a inserção da população negra no mercado de trabalho sempre se deu de forma precária, com empregos de baixa qualificação e menos formalizados, o que perpetua e aprofunda a desigualdade racial.
"A predominância da pele negra dentro da população pobre, com pouca escolaridade e baixa qualificação profissional coloca negros e negras dentro das camadas mais suscetíveis às oscilações econômicas. Quando falamos sobre enfrentamento de crises, eles estão ali, na linha de frente, e são os primeiros a terem seus direitos cortados", explica.
A economista Ana Paula Moreira, autora do estudo sobre desigualdade racial no mercado de trabalho — Foto: Ana Paula Moreira/Arquivo pessoal
A economista Ana Paula Moreira, autora do estudo sobre desigualdade racial no mercado de trabalho — Foto: Ana Paula Moreira/Arquivo pessoal
Precarização do trabalho
Ao g1, a economista explicou que, conforme observado no estudo, a crise sanitária de 2020 se sobrepôs aos efeitos que já vinham sendo sentidos desde a crise de 2015 no Brasil. Entre 2016 e 2019, por exemplo, houve aumento do desemprego, extinção dos postos de trabalho e dificuldades de criação de novos empregos.
"[A partir de 2016] tivemos o que os pesquisadores chamaram de efeito substituição, com a diminuição do emprego formal, principalmente no setor privado e emprego doméstico. Em contraposição, um aumento substancial do emprego autônomo e de contra própria", detalha.
Já em 2017, segundo Moreira, foi observada uma estagnação na crise, ancorada na geração de empregos informais e precários. O cenário voltou a se agravar com a chegada da Covid-19, que impactou especialmente os setores de agropecuária, construção civil e emprego doméstico, nos quais predominam trabalhadores negros e negras.
Entenda o que é racismo estrutural
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Tem solução?
Diante desse cenário, o que pode ser feito para minimizar as desigualdades raciais no mercado de trabalho brasileiro? Para a pesquisadora, a resposta se divide em dois pontos principais:
Valorização real do salário mínimo: aumento do salário mínimo acima da taxa de inflação para manutenção do poder de compra e de políticas de transferência de renda
Incentivo à formalização dos postos de trabalho: manutenção de direitos trabalhistas e aparato legal para combater relações de trabalho que sejam abusivas
"Se a sociedade fosse uma casa, o racismo seria o cimento ou as vigas de ferro que estruturam essa sociedade", complementa Moreira. "É necessário que o Estado se faça presente na busca por justiça social por meio da elaboração de políticas públicas".