Defensoria requer que seja aplicada expropriação de tráfico de drogas enquanto não houver lei específica sobre trabalho análogo à escravidão
FLÁVIA MAIA
BRASÍLIA
A Defensoria Pública da União (DPU) ajuizou uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) solicitando que a Corte determine ao Congresso Nacional a regulamentação do artigo 243, da Constituição Federal, que trata da expropriação de propriedades rurais e urbanas de qualquer região do Brasil onde forem localizadas exploração de trabalho análogo à escravidão. O artigo prevê ainda a destinação das terras para a reforma agrária e programas de habitação popular, sem indenização ao proprietário. (Leia a petição inicial)
O pedido da DPU foi feito no dia 9 de março por meio de um mandado de injunção (MI 7440) e está sob relatoria do ministro Luiz Fux. Na petição inicial a Defensoria Pública da União não cita especificamente o caso das vinícolas Aurora, Salton e Garibaldi, do Rio Grande do Sul, que terceirizavam a mão de obra na safra de uvas para a empresa Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde, onde foram encontrados trabalhadores em situação análoga à escravidão.
A Defensoria argumenta que sem a regulamentação do artigo constitucional não há efetividade na expropriação nos casos de trabalho análogo à escravidão. O texto da petição inicial informa que parte da doutrina defende a desnecessidade de regulamentação, porém, pesquisas revelam que, apesar do alto volume de resgate de trabalhadores em situação análoga à escravidão no Brasil, nunca houve uma expropriação por esse motivo, “o que revela o descompasso entre a força abstrata daquela norma constitucional e sua aplicação”.
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A DPU diz que a própria União tem se manifestado pela não expropriação enquanto não existir norma infraconstitucional regulamentando o dispositivo constitucional. Na peça, a Defensoria cita o caso em que a a União foi chamada a se manifestar sobre expropriação de imóvel onde se explorava trabalho análogo à escravidão – 23 trabalhadores, incluindo uma grávida de oito meses e um adolescente de 17 anos, no estado de Mato Grosso – , e a resposta foi negativa. Na ocasião, a União afirmou que é preciso uma regulamentação nos moldes da lei que trata de expropriação no caso de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas (Lei 8257/1991).
Por isso, a Defensoria Pública pede ainda que o Supremo conceda uma liminar de modo que o Estado brasileiro comece a aplicar a expropriação em caso de comprovado trabalho análogo à escravidão utilizando como parâmetro o regramento previsto na lei de expropriação relativa a tráfico de drogas.
Ainda de acordo com a Defensoria Pública, o Brasil já assumiu compromissos internacionais para diminuir o trabalho análogo à escravidão no país, inclusive, em julgamentos da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Porém, o país não consegue diminuir os números. Segundo dados do Ministério do Trabalho e Previdência, 60.251 trabalhadores foram encontrados em situação análoga à escravidão desde 1995 nos 6.602 estabelecimentos fiscalizados no Brasil.
Regulamentação para inibir o trabalho escravo
Para a DPU, a regulamentação da expropriação de propriedades rurais e urbanas pode inibir a prática do trabalho análogo à escravidão no país. “Ao viabilizar a expropriação dos bens utilizados na prática deletéria consubstancia, em reforço às medidas já existentes de combate ao trabalho análogo à escravidão no Brasil, importante instrumento de proteção aos direitos humanos e à dignidade dos trabalhadores”.
E acrescenta: “A expropriação de terras onde é constatado trabalho análogo à escravidão poderia resultar na inclusão milhares de famílias no programa de reforma agrária. Como exemplo, é possível estimar que a expropriação de uma fazenda de 139 mil hectares no Pará – como a Fazenda Vale do Rio Cristalino em que cerca de seiscentos trabalhadores eram explorados em condições análogas à escravidão, conforme levantamento feito pela Comissão Pastoral da Terra e pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e encaminhada ao Ministério Público do Trabalho em 2019 –, permitiria o assentamento de cerca 1000 famílias de trabalhadores rurais”, diz o texto.
A peça é assinada por Fernando Mauro Barbosa de Oliveira Junior, defensor Público-Geral Federal em exercício, e Bruno Arruda, sub-defensor Público-Geral Federal.
FLÁVIA MAIA – Repórter em Brasília. Cobre Judiciário, em especial o Supremo Tribunal Federal (STF). Foi repórter do jornal Correio Braziliense e assessora de comunicação da Confederação Nacional da Indústria (CNI). É graduada em Direito no IDP. Email: flavia.maia@jota.info