Rio Grande do Sul precisa adotar medidas para que erros não se repitam no futuro
Rosane de Oliveira
Assim como no caso das vinícolas, os arrozeiros que não têm envolvimento com o trabalho em condições análogas à escravidão deveriam ficar tranquilos: essa conversa é com quem descumpriu a lei ou se omitiu, incluindo os órgãos públicos responsáveis pela fiscalização. Nos dois episódios, é importante não generalizar nem condenar toda uma cadeia produtiva em que a maioria trabalha corretamente. Mas não se pode tapar o sol com a peneira e fingir que estamos diante apenas de um problema semântico — se os trabalhadores resgatados em Uruguaiana trabalhavam em condições semelhantes à escravidão ou “apenas” eram explorados e não tinham respeitados os direitos trabalhistas.
O “apenas” vai entre aspas porque as condições descritas pelos fiscais do Ministério Público do Trabalho são degradantes e, sim, se assemelham ao trabalho escravo. A nota técnica na qual a Federação das Associações de Arrozeiros (Federarroz) tenta driblar o dicionário (leia abaixo), dizendo que não se trata de trabalho escravo porque ninguém era obrigado a aceitar as condições, soa como excesso de corporativismo. O termo usado é justamente “condições análogas à escravidão” porque trata de semelhança, e não de igualdade com o que havia no Brasil até 1888 — compra e venda de pessoas negras, grilhões, chibatas e outras barbaridades.
Falta de água para beber, comida estragada pelo calorão (Uruguaiana tem sido notícia nacional nos últimos dias como a cidade mais quente do Brasil), aplicação de agrotóxicos sem equipamentos de proteção, inclusive por menores de 18 anos, seriam o que, se não trabalho análogo à escravidão? Ah, mas eles podiam ir embora quando quisessem, dizem os defensores das práticas primitivas. Podiam? Ou estavam endividados no armazém que fornecia gêneros de primeira necessidade e ficavam, de certa forma, aprisionados?
iferentemente das vinícolas Aurora, Garibaldi e Salton, que têm uma marca a ser protegida e por isso foram atingidas no coração, no caso do arroz tem-se apenas o nome de duas fazendas (Santa Adelaide e São Joaquim), o que nada diz ao consumidor desse produto tão essencial no prato dos brasileiros. E é justamente para que quem produz respeitando a lei e os direitos dos produtores não seja atingido que as autoridades têm obrigação de tornar públicos todos os detalhes da investigação.
É fundamental que quem errou seja responsabilizado, mas o essencial é adotar providências para que os absurdos não se repitam. O Rio Grande do Sul, como Estado, não pode ser visto aos olhos do mundo como um lugar que se dá o direito de adotar práticas primitivas nas relações de trabalho, seja na lavoura de arroz, seja na colheita da uva, da maçã ou da batata.