Operação identificou cerca de 200 trabalhadores em condições análogas à escravidão em Bento Gonçalves
GIANE GUERRA
Parece sutil, mas há um abismo entre duas posturas possíveis em relação ao caso dos 200 safristas resgatados em Bento Gonçalves, na serra gaúcha, em condições análogas à escravidão. Uma delas é: "eu não sabia!" A outra é: "mas como eu não sabia?!" Uma é a pura e simples defesa para eximir-se de um dever moral e, para alguns envolvidos, legal, já que a lei determina que empresas saibam a condição dos trabalhadores terceirizados quando optam por contratar um prestador de serviços. Já no outro caso, existe a chamada "mea culpa", que é um entendimento de que poderia se ter sido mais vigilante, mais zeloso pelo que acontece na sua comunidade.
Admito que esperava a segunda postura da entrevista com o prefeito de Bento Gonçalves, Diogo Siqueira, no Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha. Os ouvintes também. Ao dizer que "todos são vítimas", citou as vinícolas, o setor, a prefeitura, mas não enfatizou os trabalhadores. Questionado de imediato pela coluna sobre isso, reforçou a mesma defesa. Após a entrevista, foi enviada pela equipe de Siqueira uma nota colocando os safristas como vítimas. A postura de defesa, sem reconhecimento enfático dos erros, vem carregada de injustiça com as reais vítimas e de ceticismo de que não teremos novos casos. O restante não pode se colocar como vítima.
O próprio prefeito falou em ampliar a fiscalização. Ou seja, havia fiscalização, então, e ela deixou passar um caso assim, com centenas de trabalhadores. Onde está o "erramos muito" que deveria estar no lugar do "duvido que tivesse como saber"?
Será um trabalho longo das marcas, da cidade, da região e nosso, do Estado, em recuperar a imagem arranhada. E também que nos preocupemos não só com imagem, mas com humanidade. Está claro que se normalizou situações assim, mesmo em 2023.
Em tempo
A coluna já havia publicado no final de semana que falta de mão de obra não é justificativa para manter os trabalhadores da forma como estavam os safristas da Serra. Também não tem relação alguma com o "sistema assistencialista" citado na nota polêmica do Centro da Indústria, Comércio e Serviços (CIC) de Bento Gonçalves.
Outras colunas sobre o tema:
"Não sabia" e "falta de mão de obra" não justificam situação dos safristas resgatados na Serra
A responsabilidade das três vinícolas sobre safristas resgatados na Serra