Escritora que criou o conceito 'nowhere office' lista três estratégias para ampliar a produtividade. E vaticina: presencial vai aumentar, mas regime híbrido veio para ficar
Por Julia Hobsbawm, Bloomberg — Londres
Como será a rotina nos escritórios em 2023? O mercado de trabalho de foi abalado de forma irreversível desde a chegada do Covid-19. E a névoa que pairou sobre as relações profissionais está longe de se dissipar.
Só há uma certeza: a vida no escritório jamais voltará a ser o que era antes de 2020.
Três em cada quatro trabalhadores dizem que o trabalho híbrido agora é inegociável para eles - ou seja, não aceitam trabalhar de outra forma. Em 2023, haverá, sim, um retorno parcial ao trabalho presencial - mas o "futuro não é mais como era antigamente", e o novo escritório será organizado de forma bem diferente.
Abaixo estão três previsões para um local de trabalho mais saudável, feliz e produtivo.
Um fim para o 'flex-shaming'
No início de 2022, a especialista em RH britânica Gemma Dale cunhou a frase “flex-shaming” em uma postagem no LinkedIn. Numa tradução livre, seria algo como "vergonha do trabalho flexível"
O termo captura bem a má fé com a qual alguns líderes lidaram com funcionários que não estavam fisicamente diante deles.
Entre os mais famosos está David Solomon, do Goldman Sachs, que, em 2021 chamou o home-office de “uma aberração que vamos corrigir o mais rapidamente possível”.
Em outubro, Solomon disse à CNBC que cerca de 75% de seu pessoal estava no escritório em qualquer dia da semana antes da pandemia. Agora, este percentual é de cerca de 65%.
Os cachorros vão ao trabalho no Canadá
Dave McMullen faz carinho na barriga de Daisy na Tungsten Collaborative, que permite a presença dos animais durante o trabalho AFP
Funcionários da Tungsten Collaborative, em Ottawa, durante reunião. Os pets podem permanecer na empresa durfante horário do trabalho AFP
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Oscar e Canela trabalham junto com sua dona Emma Inns na Adorit Boutique, em Ottawa.AFP
Os cachorros vão ao trabalho no Canadá
Mesmo que os patrões pensem que podem impor sua vontade, as mudanças legislativas em todo o mundo estão favorecendo a flexibilidade. Mais de um bilhão de pessoas em todo o mundo, da Grécia à Tailândia, já estão sendo afetadas por mudanças nas leis para facilitar o trabalho remoto ou híbrido.
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O que importa é criar uma cultura de confiança e transparência entre patrões e funcionários para chegar a soluções, e não adotar uma política unilateral, mas sim de comum acordo. Não há lugar para flex-shaming em 2023.
Aparar as difíceis arestas do híbrido
Isso não quer dizer que o trabalho híbrido seja um passeio no parque. Dados globais recentes da consultoria imobiliária JLL mostram que a divisão entre escritório e casa é um grande problema.
Cerca de 25% dos trabalhadores em regime híbrido afirmam que se sentem socialmente isolados e 59% esperam que, onde quer que trabalhem, as empresas prestem atenção à sua saúde e bem-estar.
A ansiedade em torno da coesão social e da produtividade em escritórios híbridos está ganhando força: Marc Benioff, fundador e diretor executivo da empresa de tecnologia Salesforce, que também faz parte do conselho do Fórum Econômico Mundial, tratou do tema em palestra recente a empresários num fórum no Slack.
Ao constatar que os funcionários recém contratados não estavam sendo produtivos o suficiente, perguntou à plateia: "Será que, com a ausência dos escritórios, não estamos conseguindo construir um sentimento de pertencimento ao grupo com os novos empregados?"
Joanna Swash, CEO da empresa de atendimento de chamadas e bate-papo ao vivo Moneypenny, que construiu um pub em sua sede em Wrexham, no País de Gales, para tornar seu escritório o mais atraente possível, no entanto, disse ao participar do podcast Nowhere Office:
- Acredito muito no escritório, mas também acredito muito que onde quer que alguém esteja trabalhando, deve ser o ambiente certo para essa pessoa.
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Em outras palavras, definir o significado de local de trabalho como local de trabalho é o único caminho a seguir. Falando recentemente no Fórum Global Drucker em Viena, Frauke von Polier, do grupo industrial alemão Viessmann, eleito Diretor de Recursos Humanos (CHRO na sigla em inglês) europeu do ano de 2022, previu que, até que tudo volte a um novo normal, o mais provável é que as empresas façam testes rápidos, de três meses a um ano, para avaliar diferentes rotinas de trabalho.
Um espaço para encontrar pessoas
Em um post recente no LinkedIn, von Polier disse: “Como você garante que sua cultura seja reforçada? Bem, você começa de cima e serve comida para as pessoas... e claro, a sobremesa deve ser de graça!”
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Desde que eu comecei meu trabalho na Bloomberg como comentarista, fiz questão de ir ao escritório de Londres com frequência para encontrar os colegas. No primeiro andar do edifício, há uma área chamada “The Pantry”, projetada como um centro social para reuniões, lanches, cafés e troca de contato 'cara a cara' antes que as pessoas cheguem a suas estações de trabalho ou salas de reunião.
O Instagram @bloombergpantry é rotulado como “onde nosso propósito e nosso pessoal se encontram”.
Embora os dados mostrem que 84% da redução dos escritórios está associada ao trabalho híbrido, a reutilização desses espaços para serem mais sociais, além de um investimento na experiência de trabalho, está crescendo.
A Pesquisa de Sentimento dos Ocupantes de Escritórios dos EUA da empresa imobiliária CBRE mostra que 36% dos líderes estão organizando experiências e eventos no local de trabalho como parte de sua estratégia para criar o espírito de comunidade e aumentar a presença nos escritórios.
Eu espero que este percentual cresça. As pessoas precisam de um motivo para ir a um lugar que vai além da tecnologia móvel que podem acessar de qualquer lugar. A razão é simples: encontrar outras pessoas.
No mundo inteiro, os fundamentos do trabalho mudaram do foco no lugar para o foco nas pessoas. Mas todos nós precisamos trabalhar e nos encontrar em algum lugar. Espero que em 2023 o retorno ao escritório seja uma nova forma, mais aprimorada, de encontro.
*Julia Hobsbawn é escritora, colunista da Bloomberg, consultora sobre o futuro do trabalho e autora do livro "Nowhere office"