Equipe de imprensa da Agitra acompanhou as principais palestras realizadas no litoral gaúcho quando se debateu o combate ao trabalho infantil.
Veja a cobertura completa abaixo.
Dezenas de pessoas, entre autoridades municipais, professores, estudantes e especialistas acompanharam na quarta-feira (30/11) o evento que debateu, na cidade de Osório, no Litoral gaúcho, as estratégias, as ações e a divulgação dos números do trabalho infantil e sobre a violência contra crianças e adolescentes praticadas no RS. Organizado para ser um momento de reflexão e troca de ideias, o encontro foi aberto pela Orquestra jovem aprendiz do Pão dos Pobres, cuja qualidade e maestria emocionou a todos, dando o tom de afetividade necessário para a discussão de temas relevantes para os jovens gaúchos e brasileiros.
Estiveram presentes e prestigiaram a abertura do evento, a coordenadora-geral dos Fóruns Feppeti/RS e Fogap, auditora fiscal Natalina Brambilla González; a reitora do Centro Universitário Cinecista Osório, Ludimara Sheffel; representando o TJ/RS, juíza de direto do Fórum de Osório, Conceição Aparecida Canho Sampaio Gabbardo; representando o TRT da 4ª Região, a juíza do Trabalho Carolina Gralha, gestora regional do Programa de Combate ao Trabalho Infantil e Estímulo à Aprendizagem no Âmbito da Justiça do Trabalho; representando o Ministério Público do Trabalho no RS, procurador do Trabalho Carlos Carneiro Esteves Neto; representando a OAB/RS, o advogado Carlos Luiz Sioda Kremer; prefeito de Osório, Roger Capputi Araújo; a delegada e diretora da Divisão Especial da Criança e do Adolescente (Deca), Eliana Parahiba Lopez e a secretária-executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, Katerina Volcov.
Coube a secretária-executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), Katerina Volcov, especialmente convidada para o encontro, as manifestações mais contundentes, alertando para a diminuição drástica de verbas para o combate ao trabalho infantil. Ela também apontou para a necessidade de que o trabalho infantil e do adolescente deixe de ser “invisível” aos olhos da maior parte da população. Para Katerina, é inadmissível que a sociedade brasileira conviva com essa invisibilidade.
“Temos uma sociedade patriarcal, machista, com uma origem colonial, escravocrata, que favorece que tenhamos muito trabalho infantil doméstico”, afirma, destacando que essa é uma das formas mais dramáticas do trabalho infantil. Ela contou que na medida em que vai conversando com os fóruns estaduais, vai percebendo que essa é uma situação nacional.
“Temos até uma lista das piores formas de trabalho infantil. Nessa lista existem 93 atividades que são relacionadas a este assunto. Na agricultura, na pesca, no extrativismo, na indústria de transformação, na construção civil, no comércio e serviços, a comercialização de substâncias ilícitas e até mesmo na exploração sexual”, revelou. De acordo com ela, são práticas usuais nas praias brasileiras, crianças vendendo espetinho de camarão, roupas, caipirinha. “Aí você vê o filho do dono da barraca entregar o espetinho, o camarão. E as pessoas perguntam: é trabalho infantil? É. É trabalho infantil.”
É proibido? “É, é proibido. E temos que fazer a denúncia. Temos que ligar para o Conselho Tutelar. Para o Ministério Público do Trabalho também. É fundamental isso.”, alerta ela.
Outra grande preocupação da rede de cuidados com as crianças (os fóruns estaduais) é saber o que se faz com o adolescente envolvido com a comercialização de substâncias ilícitas. “Como podemos trabalhar em relação a isso?”, se pergunta. O primeiro item é adotar os nomes corretos. Cabe a nós de desestigmatizar em relação a esses jovens. Eles não são o Pablo Escobar (traficante colombiano já morto). Esse deve ser um público prioritário para a aprendizagem profissional. E cabe a todos nós olhar com um jeito distinto a este público”.
Depois, cita os casos de exploração sexual infantil, também uma das piores formas de exploração. Pelo que soube, diz, há casos estarrecedores aqui no Rio Grande do Sul. E alerta que sobre isso há um problema em nível nacional. “O último documento sobre isso, no país, é de 2017. E temos documentos da PRF que mostram que existem nas estradas pontos de exploração sexual infantil. Muitos pontos. E o grave é que neste governo, as verbas para acompanhar e enfrentar este tema foram reduzidas em 95%, denuncia. “Precisamos de assistentes sociais, de psicólogos, de locais de atendimento e ajuda a estas crianças. Como fazer isso sem verbas?”, questiona. No governo atual (Bolsonaro), afirma Katerina, além da redução de investimentos houve a paralisação também de relatórios. Por isso não temos dados mais recentes, até mesmo da exploração de sexual infantil.
Dados da Universidade Federal de Pernambuco indicam que os adolescentes entrevistados passam por uma coisa terrível chamada de “revitimização”, onde a criança passava por cinco atores (pessoas e autoridades públicas) para contar o que havia acontecido com ela. “Isso é violência institucional. É criminoso, desumano.” Para ela, as instituições que atuam na área da criança e do adolescente precisam saber, precisam entender se não estão praticando revitimização. E nem fazendo a lógica do encaminhamento. “Ah, isso não é comigo, é com a Saúde, não é minha função, é com a Educação...Afinal, neste fluxo de crianças e adolescentes, qual é o nosso papel?.”
Para a secretária-executiva do FNPETI, é óbvio que o número de crianças e adolescentes envolvidas em trabalho infantil cresceu neste governo, superando em muito os mais de 1 milhão e 800 mil, último dado disponível referente a 2017. O número hoje é muito maior, porque a miséria aumento. Temos mais de 33 milhões de pessoas com fome. Mais de 130 milhões com insegurança alimentar, que não sabem o que vão comer, se terão uma refeição. Então, surge a mendicância, outra das piores formas do trabalho infantil, alerta, acrescentando: “todo o trabalho infantil é a pior forma de trabalho. Nenhuma criança deveria estar nesta condição”.
Katerina apresentou os dados existentes sobre o censo no Rio Grande do Sul. Em relação aos dados do censo agropecuário temos 25.734 crianças e adolescentes envolvidos em trabalho infantil. Na agricultura familiar são 19.271. Na não familiar, 6.473. “Tem sido feito muita coisa importante, as escolas de famílias agrícolas aqui no Sul que são um exemplo para o país. Existem no Pará, no Centro-Oeste, no Nordeste. São uma boa quantidade de jovens recebendo para aprender e escapar do trabalho infantil rural”, relatou a secretária-executiva do FNPETI.
A Atuação do MPT
Durante o evento que debateu o combate e a erradicação do trabalho Infantil, em Osório, no dia 30 de novembro, o procurador do Trabalho, Carlos Carneiro Esteves Neto, apresentou as estratégias e os objetivos do Ministério Público do Trabalho na atuação em defesa de crianças e adolescentes. Munido de um powerpoint, ele abordou as "Estratégias de Erradicação do Trabalho Infantil - A Atuação do MPT”, apresentando as ações que considerou essenciais no combate ao trabalho infantil.
“Somos um órgão especial do MP, um ramo especializado do MP, que tem como função defender a ordem jurídica, os interesses sociais e as relações de trabalho e o interesse público. Somos instituição de Estado, independente e autônoma”, iniciou o procurador. De acordo com ele, para que o MPT possa ter êxito no seu trabalho, foram definidas metas e criadas coordenadorias nacionais temáticas, com coordenadorias regionais. São ao todo oito coordenadorias, em todos os estados brasileiros, entre elas as do trabalho escravo, meio ambiente e a da proteção do trabalho infantil e do adolescente.
Essa última foi criada no ano de 2000 e tem por objetivo principal supervisionar e coordenar as ações estratégicas do MPT no que se refere ao trabalho infantil. E definidas metas institucionais para executar o trabalho: promoção de políticas públicas para a prevenção e erradicação do trabalho infantil, com valorização da aprendizagem e análises criteriosas sobre o trabalho infantil artístico, o trabalho infantil doméstico, trabalho em lixão e ações criminosas que levam à exploração sexual, entre outras.
Dados sobre o trabalho infantil
Esteves Neto apresentou números sobre o trabalho infantil e disse que eles são importantes para que a população perceba a dimensão do problema enfrentado pela sociedade. A realidade do trabalho infantil apresentada por ele é essa, a partir de dados de 2019: cerca de 1 milhão e 800 mil crianças e adolescentes, na faixa etária entre cinco anos e 17 anos em situação de trabalho infantil. Isso representa 4,3% da população nesta faixa etária. “Um número realmente absurdo”, diz o procurador, salientando que esses dados são anteriores à pandemia. “Qualquer pessoa que circula pelos grandes centros ou até nas cidades menores sabe que há um aumento significativo de crianças trabalhando em logradouros, vendendo diversos itens nas sinaleiras do país. Essa dado, que já é alarmante, obviamente está subestimado, pois não há dados recentes”, aponta. Desse total, cerca de 700 mil exerciam alguma das piores formas de trabalho infantil.
A seguir, ele mostrou ao público presente ao evento como se dá a atuação concreta do MPT no combate ao trabalho infantil. De acordo com ele, há basicamente duas formas, feitas a partir da instauração de dois tipos de procedimentos: o investigatório e o promocional. O primeiro são aqueles originários de denúncias e visam coibir alguma conduta ilegal. A atuação se dá então a partir da denúncia, ela é encaminhada a um procurador do Trabalho que analisa o fato e que se entender que deve atuar, que o fato é grave, ele instaura, então, um processo investigatório, determinando e criando diversas diligências na busca de elementos de convicção.
Após coletar todas as informações, explica, o MPT chega a uma conclusão: se for considerado que existe necessidade de atuação da instituição, é feito um contato – por exemplo – com o empregador visando alterar a conduta dele através de um TAC. O empregador acaba assumindo o compromisso de cessar a prática irregular. “Se não for possível resolver na espera administrativa então é acionado o Poder Judiciário, (a Justiça do Trabalho) na busca da restauração da ordem jurídica.
Os procedimentos promocionais surgem de demandas internas, onde o grupo do MPT elenca temas relevantes e estratégicos, que se baseiam nas metas institucionais. São constituídos grupos de trabalho que realizam audiências públicas, fóruns temáticos, onde desenvolvem parcerias com outros órgãos. “´Uma forma de articulação e promoção”, diz.
Ele também apresentou dados (que informou não serem oficiais nem institucionais), mas que foram coletados no sistema do MPT. Os números no RS sobre trabalho infantil são os seguintes: desde 2000, quando foi implementada a coordenadoria, já foram instaurados 2596 procedimentos. Atualmente, ativos (ou seja em diligencias) há cerca de 340 procedimentos). Foram 314 ações civis públicas ajuizadas, das quais 121 estão em andamento e 193 que já foram arquivadas. Há ainda 2249 TAC já firmados desde o ano de 2000.
Segundo ele, a conclusão a partir dos dados é que a absoluta maioria dos casos são resolvidos na esfera administrativa. “É muito comum, ainda hoje, a existência de mitos que envolvem o tema, principalmente justificativas que buscam naturalizar a ocorrência de trabalho infantil na sociedade. Sempre procuramos conscientizar e demonstrar que isso é um grande equívoco”, alertou.
Ele citou algumas argumentações utilizadas para tentar normalizar o trabalho infantil: “É melhor trabalhar do que roubar, trabalhar não mata ninguém, precisa trabalhar para ajudar a família, o trabalho enobrece, é um trabalho que traz futuro”, são algumas das justificativas trazidas pelo procurador. Segundo ele, o MPT trabalha essas questões com os empregadores quando tem a oportunidade de chamá-los para uma conversa na área administrativa na busca de tentar persuadi-los e desmistificar essa noção de que o trabalho é algo que sempre faz bem.
“Nós sabemos que o trabalho infantil traz diversos prejuízos para as crianças e adolescentes, reproduzindo e mantendo o círculo da pobreza familiar”, argumenta. Para ele, dificilmente uma criança que trabalha consegue romper o círculo de pobreza da família. O prejuízo vai também na direção da aprendizagem, se inserem na evasão escolar, principalmente no período da pandemia e se estendem também nos prejuízos físicos e morais. “Como uma criança dessas chega à adolescência? Com assédio moral e sexual, comprometendo definitivamente seu futuro”, comenta.
Prevenção
Ele propõe uma reflexão de como se poderia ter uma atuação social mais intensa ainda e responde que essa possibilidade só surge com a prevenção. E destacou que o MPT se utiliza de lideranças e pessoas de destaque na sociedade para chegar ainda mais longe junto às comunidades. Como exemplo deu o Grupo de Trabalho de Atletas em Formação, salientando que o esporte, principalmente o futebol, atinge muitos jovens. A grande maioria deles, no entanto, que começam cedo no esporte não conseguem destaque nem progressão na carreira e ficam sem direitos básicos, em condições adversas, de condições de saúde, de higiene, de sobrevivência. Ele lembrou a campanha que foi lançada este ano sobre atletas e dignidade, onde o MPT leva informação e apoio aos jovens. “E cobramos de empresas e entidades envolvidas que prestem atenção aos direitos dos jovens. Há campanhas com material informativo, vídeos e folders, explicando os problemas de não cumprirem com os direitos dos jovens”, finalizou o procurador.
A Polícia Civil
A delegada Eliana Parahyba Lopez, diretora da Divisão Especial da Criança e do Adolescente (Deca/DPGV), também apresentou dados sobre as estratégias e as ações utilizadas pela Polícia Civil e divulgou números do trabalho infantil e sobre a violência contra crianças e adolescentes praticadas no RS. Assim como o procurador Carlos Carneiro Esteves Neto, do MPT, munida de um powerpoint, ela mostrou a forma de atuação da Polícia Civil do RS. Inicialmente apresentou algumas campanhas motivacionais, em vídeo, realizadas pela polícia e a seguir detalhou as ações. De acordo com ela, o enfrentamento da PC ao trabalho e à violência se dá sempre para reprimir os abusos, sejam eles de ordem moral, sexual ou de qualquer outra forma, incluindo o trabalho infantil.
De acordo com a delegada, a PC procura agir com sensibilidade junto aos jovens e mesmo com as pessoas envolvidas com ele. “Mesclamos repreensão com a parte preventiva e o acolhimento social”, explica. Por isso, explica, a polícia criou há anos a divisão da criança e do adolescente e se especializou no assunto, criando campanhas, indo a escolas e falando sobre a violência que recai sobre o jovem e o adolescente. “Temos inclusive um programa, nas escolas, com palestras e conversas, chamado Papo com Responsa”, contou. O projeto visa a desmistificar o que existe no imaginário das pessoas de que a polícia é contra, é somente repreensão. “Isso precisa deixar de existir. É claro que temos o trabalho de repreensão, mas as pessoas precisam perceber que o trabalho que fazemos vai muito além disso e eu cuida especialmente deste aspecto, com muito diálogo.”
Segundo ela, hoje não existe ainda o atendimento especializado preventivo em Porto Alegre, que já foi criado em algumas localidades do interior. Eliana diz que há planos para a Capital, com policiais capacitados, principalmente com as novas legislações que já entraram em vigor. Mas é importante, diz, divulgar sempre o disque denúncia, que é o 0800, que funciona desde 2005, é muito bom e tem anonimato e todos os cuidados com quem utiliza o serviço. “São denúncias que ajudam e muito na proteção do adolescente e de crianças, mas que também funciona apontando ações de menores infratores”, afirma. Ela revela que o índice de denúncias aumentou muito com a pandemia. “O nível de ocorrências policiais caiu, mas os levantamentos de dados apontam que os crimes continuaram ocorrendo.”
No ano passado, a Polícia Civil fechou seu balanço com 186 presos e mais 1065 denúncias apuradas. Esses dados são sobre crimes envolvendo abusos a crianças e adolescentes. No RS, revela, há dez casos de estupros e cinco casos de maus tratos por dia. São números altos e até estarrecedores para a delegada. Por isso, argumenta, é preciso discutir muito o tema e agir de forma repressiva mas principalmente preventiva, declarou.
Ela explicou ainda que diversas operações feitas no RS contra casos graves de exploração sexual infantil ocorrem de forma constante e acentuada em paradouros, pontos de descanso de caminhoneiros nas estradas. Ali, explica, ocorrem muitos crimes. Desde o ano passado, por isso, a Polícia Civil tem feito ações integradas com a Polícia Rodoviária Federal e com a Brigada Militar.
Para a delegada, a existência do Estatuto da Criança e do Adolescentes é que permite, como um marco, que quebrou paradigmas, proteger as crianças, que são sujeitos de direitos permanentemente.
A delegada salientou a necessidade de treinar o pessoal que atende a crianças e adolescentes, notadamente no quesito oitiva. “Há todo um cuidado nesse ponto para não revitimizar os jovens. Não podemos ser invasivos, não podemos fazer a criança viver de novo aquela situação de violência. Há todo um cuidado com esse tema. E nós buscamos conversar com as pessoas que cuidam dela, que tem relação com ela e só em último caso fazemos uma oitiva da criança”, revela.
Nessa engrenagem de proteção aos jovens, crianças e adolescentes, a delegada diz que sempre lembra, afirma, “que somos uma polícia judiciária”. Temos, acrescenta, a função de investigar as situações que chegam e diz que salienta sempre, que não pode ser só isso. “Principalmente quando somos procurados por adolescentes ou crianças. Vamos ter de fazer contato com a Saúde, Conselho Tutelar, para dar atendimento a estas crianças.”
Eliana destaca a relevância do registro imediato do caso. Ela alertou para a importância de se procurar uma delegacia para registrar a localização do eventual crime, visto que, enquanto não existir a ocorrência de localização, as diligências policiais não se finalizam e a situação fica em aberto no banco de dados da instituição.