Autor: Celso Ming
Mais do que um pé de alface
A economia mundial vive momento de turbulência em meio a um neoliberalismo que não entrega os benefícios do estado do bem-estar social e abre brechas que alimentam movimentos extremistas e fundamentalistas
20/10/2022 | 20h21
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A primeira-ministra do Reino Unido, Liz Truss, durou menos no cargo do que o prazo de validade de um pé de alface, como há sete dias profetizava, com esperta ironia, o tabloide britânico Daily Star.
Mas é preciso ver o episódio para além da simples incapacidade da ex-primeira-ministra para o exercício do cargo.
Em certa dimensão, esse fracasso reflete as funestas consequências do Brexit – o divórcio com a União Europeia, que supostamente traria independência e prosperidade ao Reino Unido, mas que só aumentou os problemas internos e criou novos. Até agora não se sabe como fica a separação comercial da Irlanda do Norte do resto da União Europeia. Afora isso, têm eles de lidar com a autossuficiência de dirigentes arrogantes que imaginam impor soluções para tudo com um pacote econômico tecnocrático.
Tabloide britânico colocou ex-primeira-ministra, Liz Truss, em competição com uma alface.
Tabloide britânico colocou ex-primeira-ministra, Liz Truss, em competição com uma alface. Foto: The Daily Star
Mas as coisas precisam ser vistas com amplitude. Não só o Reino Unido, mas a economia mundial parecem acometidos por certo mal du siècle para o qual ainda não há diagnóstico completo nem remédio definitivo.
Bastaram a eclosão da pandemia e a guerra entre Rússia e Ucrânia para que a economia mundial se desorganizasse e fosse atirada a uma inflação que beira ou ultrapassou os dois dígitos. A recessão mundial começa agora a romper a casca onde esteve incubada. O Fundo Monetário Internacional (FMI) piorou as projeções para a economia mundial neste ano e prevê recessão em um terço do mundo em 2023, incluindo potências como Alemanha, Itália, e Rússia.
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No momento, as propostas neoliberais não vêm entregando os reiteradamente prometidos benefícios do estado do bem-estar social, porque seu sistema produtivo passou a enfrentar acirrada concorrência das novas potências asiáticas, que operam com custos trabalhistas muito mais baixos.
A excessiva dependência de fornecimento de energia russa pela maioria dos países do bloco do Ocidente na Europa colocou em risco não apenas o conforto das famílias, mas, também, o futuro da indústria. E, de quebra, atraso das metas de descarbonização. Os Estados Unidos, que se incumbiram da defesa do atual ordenamento global, enfrentam frentes inimigas demais: Rússia, China e Irã.
Rússia e China implantaram modelos absolutistas de capitalismo de estado e agora enfrentam excessiva concentração do poder político em mãos de uma só pessoa o que, a longo prazo, ensina a História, não é funcional do ponto de vista da governança de uma economia, porque produz distorções e vulnerabilidades.
O maior risco global nem é de uma crise econômica. É o de que as mazelas mal resolvidas alimentem movimentos fundamentalistas, antidemocráticos e xenófobos, que já estão pipocando mundo afora.