Proposta enviada ao Congresso Federal não comporta valores para custear programas sociais e prevê o pior dos últimos anos: de R$ 63,7 bilhões
Por Simon Nascimento
Não importa quem seja o presidente eleito no dia 30, após a divulgação do resultado da apuração das urnas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A pauta econômica e fiscal se avizinha como o principal problema para 2023 no Brasil. Um estudo feito por pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas (FGV) estima um rombo que pode chegar a R$ 430 bilhões no orçamento para o ano que vem.
O cálculo leva em consideração valores que ultrapassaram o teto de gastos públicos, como benefícios concedidos a partir da PEC Kamikaze, desoneração com a redução das alíquotas de impostos estaduais e federais, custos financeiros por não pagamento de dívidas e públicas e valores não previstos pela equipe econômica do governo no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA).
A proposta da lei orçamentária foi enviada ao Congresso Federal no final de agosto e estima um déficit primário de R$ 63,7 bilhões no próximo ano. O valor é quase o dobro do prejuízo registrado em 2021 e está acima da previsão feita pelo Ministério da Economia, de R$ 59 bilhões, para este ano. Apesar da previsão de um resultado no vermelho, o projeto editado reservou R$ 19,4 bilhões para as emendas de relator, no chamado orçamento secreto. O montante é o mesmo destinado às emendas parlamentares.
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Já com as medidas implementadas pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) antes do período eleitoral, a redução de impostos para baratear combustíveis soma R$ 68 bilhões em perdas aos cofres públicos. Na compensação da União aos Estados pela queda na arrecadação tributária ocasionada com a diminuição da cobrança do ICMS para combustíveis, energia e telecomunicações e com o não pagamento de precatórios - ordem judicial determinando à União a quitação de dívidas sem possibilidade de recursos - a soma pode chegar a R$ 144 milhões.
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Atualmente, alguns Estados como Minas, São Paulo e Piauí já conseguiram liminares, junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), determinando que a União pague integralmente aos entes federados as diferenças geradas com a mudança tributária. O problema, avalia o professor de economia e analista aposentado do Banco Central, Paulo César Feitosa, acaba não ficando restrito somente à Brasília.
“O ICMS é a principal receita dos Estados. Hoje são poucos com situação financeira saudável, vários têm dívidas com a União e precisavam desses recursos até mesmo para bancar parcelas da dívida e não serem obrigados a entrar no Regreajusime de Recuperação Fiscal (RRF) que retira totalmente o poder e autonomia do governadores”, explicou. O economista lembrou que municípios, também recolhedores do ICMS, vão ter dificuldades para bancar gastos com fornecimento de educação básica e saúde pública.
Levando em consideração os impactos da redução das alíquotas do ICMS, a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) estimou um impacto anual de R$ 4,5 bilhões às cidades para o financiamento do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).
Investimentos sociais
Além dos investimentos em saúde e educação, as lacunas no orçamento também chegam aos programas sociais. Na proposta enviada ao Congresso, o valor destinado ao pagamento do Auxílio Brasil, em torno de R$ 105 bilhões, considera um repasse mensal de R$ 405. Mas tendo como base o repasse de R$ 600 que vai ser praticado até o final do ano, a conta recebe um acréscimo que pode chegar a R$ 50 bilhões.
Também há cortes de 59% na receita para o programa Farmácia Popular, 46,4% de redução em ações de controle do câncer e um valor 36,8% destinado ao Programa Nacional de Imunizações (PNI). “Os cortes são uma previsão, quer dizer que ainda pode ficar pior. Porque os valores orçados e aprovados para serem gastos em 2022 estão sendo contingenciados. O governo está deixando de gastar com uma série de questões para liberar, como na semana passada, R$ 5,2 bilhões ao orçamento secreto”, acrescentou Paulo César Feitosa.
Conselheiro efetivo do Conselho Regional de Economia de Minas Gerais (Corecon-MG), Gelton Pinto Coelho observa que os cortes podem manter o cenário de desigualdade, e sugere uma revisão da proposta. “Não se resolve extrema pobreza sem investimento público e programas de transferência de renda precisam necessariamente gerar efeitos de transbordamento como permanência nas escolas, melhora nas condições de saúde, acompanhamento social e redução de violências sejam domésticas contra mulheres ou mesmo contra crianças”, opinou.
Orçamento limita reajuste a servidores
O escopo orçamentário para 2023 também vai limitar reajuste a servidores públicos no próximo ano. A reserva feita para corrigir os vencimentos do funcionalismo é de R$ 14,2 bilhões. O valor considera uma inflação de 4,8%, sendo que a projeção inicial do governo já indica um arrocho de 4,5%. “Mas já tem três anos que o funcionalismo não tem aumento nenhum, então essas categorias vão cobrar, exigir valores maiores. Se for somar a inflação deste ano com o ano passado, é uma coisa perto de 12%”, detalhou o professor Paulo César Feitosa.
De acordo com Pinto Coelho, o orçamento, da maneira como posto, indica uma trava, enquanto deveria representar um instrumento constitucional de planejamento. Para ele, os reajustes aos servidores acabam resultando em serviços de qualidade prestados à população. “Os profissionais na gestão pública não são gastos e,sim, investimento quando a gestão é bem feita. Para isso, os controles sociais devem funcionar plenamente e a transparência dos investimentos públicos também”, atestou o conselheiro do Corecon-MG.
Falta de transição pode piorar cenário
Na avaliação dos economistas, a ausência de uma transição harmônica, em caso de perda à reeleição de Jair Bolsonaro (PL), pode agravar o cenário econômico e fiscal para 2023. Dentre os impactos que podem ser observados, Paulo César Feitosa cita a criação e aprovação de projetos até o final do ano que vão gerar custos adicionais para o próximo exercício. Atualmente, um dos principais entraves em torno desta questão é o pagamento do piso nacional da enfermagem.
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Aprovada no Congresso e sancionada por Bolsonaro, a proposta reajusta salários de enfermeiros, técnicos e parteiros, mas tem um custo estimado de R$ 22,5 bilhões considerando as redes pública e privada. O texto da lei não prevê fonte de custeio para o pagamento, o que levou à suspensão temporária do piso pelo STF. “Poderia ser algo para tentar inviabilizar toda e qualquer possibilidade de um novo governo, criando gastos, armandos bombas que seriam todas para explodir no ano que vem”, destacou Feitosa.
Soluções para mitigar impactos
No artigo assinado pelos pesquisadores Bráulio Borges e Manoel Pires, da FGV, os estudiosos sugerem que, em 2023, o presidente eleito adote o waiver fiscal - uma licença temporária das atuais regras fiscais para organizar o orçamento por um período para abrir uma discussão sobre regras de finanças públicas.”Tal diretriz decorre do acúmulo de problemas orçamentários e riscos fiscais que surgiram e que ampliam a incerteza fiscal. Na medida em que tais problemas crescem, mais necessário se torna o freio de arrumação”, diz o texto.
Para o analista aposentado do Banco Central Paulo César Feitosa, o governo eleito também deve priorizar uma reforma tributária que, segundo o economista, é prometida desde o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB). “Nunca foi feita porque ela mexe com interesses variados, regionais de uma região que tributa mais que a outra, de classes. É uma guerra e, por isso, não vai para frente”, argumentou.
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A alteração nas regras tributárias devem ser realizadas junto, também, a uma reforma administrativa, sugeriu Feitosa. “Não para cortar necessariamente cargos. Mas para racionalizar o serviço, permitir um uso de tecnologia mais sofisticada que aproveita melhor os servidores que você tem. É uma reforma necessária, não com a intenção de reduzir salários”, complementou.