Claudio Adilson Gonçalez
Economista e diretor-presidente da MCM Consultores, foi consultor do Banco Mundial, subsecretário do Tesouro Nacional e chefe da Assessoria Econômica do Ministério da Fazenda
Aparentes bons números fiscais decorrem, em sua maior parte, de condições peculiares e escondem ameaça à estabilidade macroeconômica e dificuldade do controle da inflação
Paulo Guedes defendeu a PEC dos benefícios com a expressão “o fiscal está forte”. Ele tomou a valor de face as simulações que indicam que o resultado primário da União, mesmo após as bondades eleitorais, encerrará 2022 com saldo próximo de zero ou, talvez, com pequeno superávit. A dívida bruta do governo geral (DBGG), conceito do Banco Central (BC), que em 2020 supunha-se que alcançaria 100% do PIB, deverá ficar em 79% do PIB também ao final do corrente ano. Era 75,3% quando Bolsonaro assumiu.
Jair Bolsonaro, presidente da República, e Paulo Guedes, ministro da Economia; já podemos imaginar o tamanho da bomba fiscal que o governo Bolsonaro deixará ao final de seu mandato
Jair Bolsonaro, presidente da República, e Paulo Guedes, ministro da Economia; já podemos imaginar o tamanho da bomba fiscal que o governo Bolsonaro deixará ao final de seu mandato Foto: Wilton Junior/ Estadão
No entanto, esses números são enganosos e escondem uma situação fiscal grave, que ameaça a estabilidade macroeconômica, torna difícil o controle da inflação e impede o crescimento econômico. Os aparentes bons números fiscais decorrem, em sua maior parte, de condições peculiares, não recorrentes.
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Em 2021 e 2022, houve um ganho enorme de arrecadação em virtude da valorização das commodities e do maior crescimento dos preços ao atacado relativamente à inflação ao consumidor, pois isso inflou a base de incidência dos tributos e, no caso da relação dívida/PIB, aumentou o valor nominal do denominador mais do que o do numerador.
Segundo estimativas da Fundação Getulio Vargas, a indústria extrativa mineral, principalmente a Petrobras, que Bolsonaro tanto execra, propiciou significativo crescimento de arrecadação, que não se sabe se vai se repetir no futuro, dada a volatilidade das cotações desses bens. Quando considerados royalties, óleo-lucro dos contratos de partilha de petróleo, dividendos pagos pela Petrobras e tributos federais (exceto previdência), esse setor engrossou a receita bruta da União com 1,85% do PIB, em 2021, e 2,31% do PIB, em 2022, contra a média de 0,92% do PIB no período 2011-2020. Em 2022, as receitas de concessões e permissões devem atingir R$ 47 bilhões (R$ 26,6 bilhões da operação da Eletrobras), contra R$ 9,9 bilhões em 2021.
Do lado das despesas, a grande contribuição para conter o endividamento veio da queda temporária da taxa de juros. Segundo nossas estimativas, baseadas em dados do BC até maio de 2022, o custo médio anual de carregamento da dívida pública (taxa implícita de juros da DBGG) caiu para 6% em 2020 (o menor desde 2008), mas deve ser de quase 13% em 2023.
Considerando as projeções da pesquisa Focus e o cenário básico da MCM, a dívida bruta deve saltar de 79% do PIB, no final de 2022, para 83% do PIB, ao final de 2023, e a dívida líquida, no mesmo período, subirá de 60% para 64% do PIB.
Se considerarmos a destruição das regras fiscais, a enorme repressão de gastos discricionários e dos salários dos servidores e a necessidade de recuperar investimentos públicos e de elevar gastos sociais – especialmente em saúde, dado o envelhecimento da população –, podemos imaginar o tamanho da bomba fiscal que o governo Bolsonaro deixará ao final de seu mandato.
Ficou claro, Paulo Guedes?