Aprovado em comissão, PL de autoria do governo iria para sanção. Mas a sociedade reagiu e conseguiu assinaturas necessárias de senadores para levar a decisão ao Plenário
Por Redação RBA
São Paulo – Aprovado em comissão do Senado em 23 de junho, o Projeto de Lei (PL) 1.293/2021, que dispensa a fiscalização de frigoríficos pelo Ministério da Agricultura, estava pronto para sanção presidencial. Mas diversos setores da sociedade pressionaram senadores, numa articulação que conseguiu a adesão de 16 deles a um requerimento, conforme previsto no regimento da Casa, para que a decisão passe obrigatoriamente pelo plenário, com os parlamentares tendo de avaliar o teor do PL e votar.
A expectativa agora, mais otimista, é que o Senado barre definitivamente a proposta que ficou conhecida como “PL do Autocontrole”. “Consideramos imoral aprovar um projeto que visa transferir do poder público a responsabilidade de supervisionar a saúde pública e a dignidade animal”, destacam as organizações em carta aberta.
De autoria do governo de Jair Bolsonaro, o projeto estabelece que os agentes privados farão o autocontrole da organização e dos procedimentos hoje aplicados pela defesa agropecuária. Ou seja, em vez do Ministério da Agricultura, os próprios donos do frigoríficos farão como bem entender em termos de fiscalização sanitária.
Senado aprova PL de Bolsonaro que permite ao agro fiscalizar o próprio negócio
É por isso que organizações de proteção animal, ambiental, de defesa do consumidor, direitos dos trabalhadores de frigoríficos, da indústria de alimentos, direito dos pequenos produtores rurais, organizações de saúde humana e os próprios fiscais agropecuários se uniram contra o PL. Estão todos preocupados com os riscos que essa proposta pode trazer para a sociedade.
Como o PL é nocivo
A questão é tão importante que é estabelecida constitucionalmente. Segundo a Constituição, essa prerrogativa é do Estado – e não das empresas. Conforme alertam as organizações, os prejuízos por trás do PL bolsonarista são muitos e ameaçadores.
Entre eles estão a dificuldade de identificar e punir fraudadores em caso de adulteração e contaminação de produtos como leite, carne, azeite, bebidas em geral e outros alimentos. É o caso de resíduos de antibióticos na carne e no leite. Ou de doenças e infecções por causa da ingestão de produtos impróprios para consumo humano, que deve aumentar. Há ainda os custos da fiscalização privada, que pode encarecer os alimentos e deverão prejudicar severamente pequenos produtores e a agricultura familiar, que terão dificuldade para pagar às empresas de fiscalização.
O PL é também um grave risco de aprofundar a crueldade contra os animais. Sem a fiscalização do poder público, os animais serão ainda mais expostos ao extremo sofrimento nos abatedouros, como documentado por organizações de defesa dos direitos dos animais. É o caso da Animal Equality e a Mercy For Animals, que mostram as péssimas condições que os animais são submetidos na ausência dos fiscais agropecuários (atenção: imagens fortes).
Para o presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Federais (Anffa Sindical), Janus Pablo, além de desastroso, o projeto possui lacunas e ambiguidades que podem favorecer as grandes empresas agropecuárias em detrimento da sociedade. “Os auditores agropecuários atuam em todas as áreas de produção de alimentos, incluindo a supervisão dos agrotóxicos utilizados na produção agrícola. Sem a fiscalização agropecuária governamental, na prática, as empresas ficarão livres para reportar se elas estão cumprindo as normas sanitárias, sem que seja necessário o auditor conferir as informações in loco“, disse.
Clique aqui para ler a carta
Organizações que fazem parte dessa articulação:
ACT Promoção da Saúde, Alianima
Animal Equality
Associação dos Fiscais Agropecuários do Rio Grande do Sul (Afagro)
Associação dos Municípios da Microrregião do Vale do Paranaíba (AMVAP)
Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável
Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação e Afins (CNTA)
Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal
Greenpeace
Instituto Akatu
Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec)
Instituto Protecionista S.O.S. Animais e Plantas
Instituto Sociedade População e Natureza (ISPN)
Instituto Socioambiental (ISA)
Mercy for Animals
Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA)
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
Núcleo de Justiça Animal da Universidade Federal da Paraíba
Observatório do Clima
Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas (FIAN)
Proteção Animal Mundial (World Animal Protection)
Slow Food Brasil
Sinergia Animal
Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Federais (Anffa Sindical)
TJCC – Movimento Todos Juntos Contra o Câncer.
Várias outras organizações têm apoiado diretamente os Auditores Fiscais Federais, como pode ser visto neste comunicado recém lançado. É importante destacar que se os próprios auditores fiscais, que são quem mais entende de fiscalização, são contra o PL do Autocontrole, obviamente o PL representa uma ameaça se for aprovado da forma que está redigido.
Senadores que assinaram requerimento para votação plenária
Paulo Rocha (PT-PA)
Jean Paul Prates (PT-RN)
Fabiano Contarato (PT-ES)
Paulo Paim (PT-RS)
Jaques Wagner (PT-BA)
Eliziane Gama (Cidadania-MA)
Rogério Carvalho (PT-SE)
Mara Gabrilli (PSDB-SP)
Leila Barros (PDT-DF)
Zenaide Maia (Pros-RN)
Alessandro Vieira (PSDB-SE)
Randolfe Rodrigues (Rede-AP)
Reguffe (União-DF)
Telmário Mota (PROS/RR)
Jorge Kajuru (PODEMOS/GO)
Humberto Costa (PT/PE)