O ESTADO DE S. PAULO - NOTAS E INFORMAÇÕES -
Como tudo na administração Jair Bolsonaro, a agenda
legislativa prioritária do governo federal para este ano é mais uma peça de ficção de sua desesperada
campanha à reeleição. Assinada pelo ministro da Casa
Civil, Ciro Nogueira, a portaria publicada no Diário
Oficial da União (DOU) conta com nada menos que 45
itens, entre medidas provisórias, projetos de lei e
propostas de emenda à Constituição (PECs). Dentre
eles, há seis ideias "em formulação no Executivo" ou
"em formulação no Congresso Nacional". A lista é a
representação de uma gestão sem rumo, presidida por
um eterno candidato que se recusa a assumir as
funções para as quais foi eleito há mais de três anos e
que mantém um falso otimismo sobre sua capacidade
de articulação política em um Congresso dominado
pelo Centrão, que governa em seu lugar.
De que outra forma a sociedade deveria julgar o fato
de que o Executivo ainda diz acreditar na aprovação
da proposta que cria a Contribuição Social sobre
Operações com Bens e Serviços (CBS) e unifica
contribuições federais como PIS e Cofins?
Apresentado em julho de 2020, o projeto não registra
qualquer movimentação processual desde junho. Faz
parte da mesma lista a PEC 110/2019, conhecida
como reforma tributária do Senado, que extingue
nove tributos, entre eles PIS e Cofins, além de
impostos estaduais e municipais, para criar o Imposto
sobre Operações com Bens e Serviços (IBS) -
publicamente boicotada pelo ministro Paulo Guedes.
Como se pretende compatibilizar duas propostas
conflitantes e que tratam dos mesmos tributos é uma
incógnita. Não satisfeito com o manicômio tributário
vigente no País há décadas, o governo mantém a
aposta no projeto do Imposto de Renda, cujo relator,
Ângelo Coronel (PSDBA), já deixou claro que pretende
apenas corrigir a tabela do Imposto de Renda e retirar
a tributação sobre lucros e dividendos, que bancaria o
Auxílio Brasil.
A obsessão bolsonarista pelo preço dos combustíveis
também está presente em dois dos itens: o projeto que
muda a cobrança de ICMS sobre os produtos, hoje um
porcentual sobre o preço, para um valor fixo por litro; e
o projeto "em formulação no Congresso Nacional" que
mexe na tributação federal sobre o diesel - alvo de ao
menos três propostas, uma delas a PEC Camicase,
que pode custar mais de R$ 100 bilhões aos cofres
públicos. Faz parte do rol de devaneios a privatização
dos Correios, com chance mínima em um Senado em
ano eleitoral. O próprio Bolsonaro já admitiu que a
possibilidade de aprovação de qualquer reforma neste
ano é ínfima. Ao menos numa coisa a lista é
verdadeira: dela não consta uma reforma
administrativa, que Bolsonaro desde sempre rejeita.
Na área política, o fracasso também se repete. Para
atiçar os seguidores mais radicais, Bolsonaro reitera o
aval à chamada pauta de costumes, defendida há três
anos praticamente sem avanços.
Há projetos para flexibilizar ainda mais o porte, posse,
registro e comercialização de armas e munições,
revogar o auxílio-reclusão, reduzir a maioridade penal
e vedar a saída temporária de presos. Em formulação
no Executivo, há também um projeto para ampliar a
retaguarda jurídica de policiais.
Criticado pelo desmazelo na área ambiental, o
governo ainda aposta na polêmica liberação da
mineração em terras indígenas e em áreas de
fronteira. Na educação, certamente a área mais
afetada depois de quase dois anos de pandemia e de
escolas fechadas por meses, a preferência,
inacreditavelmente, continua a ser pela
regulamentação do ensino domiciliar, além do fim da
progressão continuada - evidentemente sem propor
nada em seu lugar.
Mais do que uma carta de intenções, a agenda é o
reconhecimento público da própria ineficiência do
governo.
Quando os mais otimistas avaliam que o Legislativo
funcionará só até junho, uma lista de 45 prioridades
revela que, na verdade, não há nenhuma.
Mesmo com o apoio de um Congresso comprado à
base de emendas, a gestão Bolsonaro chegará ao fim
sem aprovar os arremedos de reformas econômicas
que propôs e, ainda bem, sem os desvarios que
prometeu à sua base mais radical.
Site: https://digital.estadao.com.br/o-estado-de-s-paulo
9