A aprovação por 28 votos a 18 só ocorreu após os partidos governistas promoverem mudanças na composição do colegiado
Por Raphael Di Cunto, Valor —
Sem incluir juízes e promotores, a comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou nesta quinta-feira (23) por 28 votos a 18 a reforma administrativa proposta pelo governo Bolsonaro. Após mudanças no texto, como a manutenção da estabilidade para todos os servidores, os partidos de oposição, o PV, o Patriota, o Avante e o Solidariedade votaram contra o parecer. Ainda falta a análise de 27 emendas. A aprovação só ocorreu com folga após os partidos governistas promoverem mudanças na composição do colegiado. Na noite anterior, um requerimento para adiar a votação foi rejeitado por apenas três votos, 22 a 19. Após isso, PL, MDB, DEM e Republicanos trocaram seus representantes na comissão. O Novo, que tem oito deputados, ficou com sete vagas – quatro de titulares e três de suplentes (votam na ausência dos outros).
Aprovação em 2 turnos Além da discussão das emendas, que ocorrerá ainda nesta quinta-feira, a proposta precisa ser aprovada em dois turnos no plenário da Câmara, onde depende do voto favorável de 308 dos 513 deputados – o que ainda dependerá de mais negociações, segundo líderes governistas, comprovando a necessidade de recorrer ao Novo para ocupar as vagas da comissão. Ainda não há data definida para votação no plenário. Para ter validade, a proposta de emenda constitucional (PEC) precisa ser aprovada também pelo Senado, Casa em que o governo enfrenta muito mais resistência e já derrotou outras iniciativas do Executivo este ano. Alterações da proposta original O projeto foi bastante alterado pelo relator, o deputado Arthur Maia (DEM-BA), em relação a proposta original do governo.
A estabilidade foi mantida para todos os servidores, não foram criadas novas formas de vínculo com o serviço público e todas as medidas previstas na proposta de emenda constitucional (PEC) valerão apenas para os novos servidores. A reforma determina que os novos servidores públicos da União, Estados e municípios não poderão ter férias superiores a 30 dias, licença-prêmio (90 dias de folga a cada cinco anos), adicionais por tempo de serviço e aposentadoria compulsória como modalidade de punição, entre outros “privilégios”.
Para os atuais funcionários públicos, nada muda. O relator incluiu entre as categorias que serão afetadas por essas vedações os parlamentares e membros de Tribunais de Contas (que são ligados ao Legislativo), mas os juízes e promotores do Ministério Público ficaram de fora. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), alegou que um parecer da Mesa Diretora da Casa declarou ser inconstitucional que o Congresso tratasse das carreiras do Judiciário – a iniciativa de propor as mudanças teria que partir deles próprios.
Lira e Maia costuraram um acordo com os partidos para que a emenda dos juízes e promotores fosse declarada constitucional, mas que eles só pedissem a votação no plenário, onde o quórum exigido para aprovação é maior. Na comissão, bastava a maioria simples entre os 47 integrantes. No plenário, é preciso o apoio de 308 dos 513 deputados. Com a decisão de que nenhuma das regras valerá para os atuais servidores, o projeto não terá ganho fiscal imediato, mas trará uma despesa extra para a União e os Estados ao mudar regras de pensão por morte dos policiais em serviço e garantir aposentadoria integral para os policiais civis da União que ingressaram até a reforma da Previdência. Não há estudo de quanto será gasto com essas medidas, mas partidos fizeram emendas para excluir esses pontos. Redução do salário e jornada de trabalho A principal medida de impacto orçamentário é a redução do salário e jornada de trabalho dos servidores públicos em 25% quando for ultrapassado o limite de despesa com pessoal previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal (de 50% da receita corrente líquida para o governo federal e 60% para Estados e municípios).
Os atuais servidores poderão optar por essa diminuição ou não, mas, no caso dos futuros funcionários públicos, ela será obrigatória.
O parecer ainda amplia a possibilidade de contratação de temporários. Hoje esse tipo de vínculo só é aceito em caso de “necessidade temporária de excepcional interesse público”. Pela PEC, esses contratos poderão ser usados para “atender necessidades temporárias” que, “se relacionadas a atividades permanentes, deverão revestir-se de natureza estritamente transitória”. Pelo texto, os servidores contratados nessa modalidade terão vínculo máximo de dez anos com a administração pública, sem direito a FGTS nem seguro-desemprego. A contratação ocorrerá por “processo simplificado”, sem concurso público. Os atuais contratos temporários terão vigência até o término previsto ou em quatro anos, o que for menor.
Os serviços de carreiras exclusivas de Estado, definidas pelo relator como aqueles em funções finalísticas da segurança pública, diplomacia, administração tributária, fiscalização, elaboração orçamentária, entre outras, não poderão ser executados por temporários e terão outras garantias definidas em lei. Carreiras como professores e profissionais de saúde não foram consideradas exclusivas de Estado e, portanto, poderão ter a contratação de temporários.
O projeto também cria regras para a avaliação de desempenho dos servidores que, caso seja considerado insatisfatório, poderá ensejar a demissão. A PEC dá apenas diretrizes sobre como funcionará essa avaliação, como, por exemplo, ter a participação do usuário. Será necessária a aprovação de projeto posterior para regulamentar o funcionamento dessas provas. Ainda serão instituídas regras de gestão de desempenho dos serviços e órgãos públicos. O estágio probatório, anterior à obtenção de estabilidade pelo servidor, terá seis avaliações ao longo dos três anos de experiência e, caso o desempenho não seja satisfatório em duas delas, o concursado não será efetivado. Hoje ocorre apenas uma avaliação ao fim do período.
A PEC autoriza também que governos federal, estaduais e municipais possam “firmar instrumentos de cooperação” com a iniciativa privada para a execução de serviços públicos. Esse artigo gera divisão inclusive entre os aliados do governo e chegou a ser retirado do parecer num acordo com a oposição para que não houvesse obstrução, mas acabou voltando após os partidos de esquerda impedirem a votação na quarta-feira. Para o deputado Rogério Correia (PT-MG), a reforma enfraquece os servidores e o serviço público, além de manter privilégios da elite do funcionalismo público. “Não haverá mais denúncia de corrupção, como ocorreram agora no SUS e na compra de vacinas, porque o servidor terá medo de perseguição”, disse.
“Trocar servidor concursado por apadrinhado é avanço, é modernização?”, concordou o deputado professor Israel Batista (PV-DF). O deputado Tiago Mitraud (Novo-MG) criticou os parlamentares que votaram para “agradar sindicatos” e defendeu que o projeto é positivo, apesar de pontos negativos que ele defendeu alterar por emendas. Ele destacou a instituição da avaliação de desempenho, a ampliação dos contratos temporários e a criação de regras para demissão por obsolescência do cargo. O relator defendeu que o texto não é mais o do Executivo, mas construído por todos os partidos no Congresso, e irá modernizar o serviço público. “Quem tem medo de avaliação de desempenho? Apenas os maus servidores. Na iniciativa privada, todos são avaliados o tempo inteiro. É justo dar a população poder avaliar o serviço que ela mesmo paga”, disse