Segundo Corte de Contas, governo baixou artificialmente gastos com pensões das Forças Armadas e inflou despesas com funcionários civis
Fernanda Trisotto e Geralda Doca
BRASÍLIA – O Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou, com ressalvas, as contas do presidente Jair Bolsonaro relativas a 2020, que teve o Orçamento de Guerra – mecanismo extraordinário que permitiu ao governo aumentar gastos para enfrentar a pandemia da Covid-19, fora das travas fiscais.
O relatório do ministro Walton Alencar Rodrigues foi aprovado por unanimidade, e apontou distorções em números da Previdência de servidores e militares e de demonstrações financeiras do ministério da Economia.
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O relator fez três ressalvas – execução de despesas da Caixa, não cumprimento de aplicação mínima de recursos para irrigação no Centro-Oeste e falta de informações sobre as metas e prioridades da administração pública – e apontou 23 distorções, entre elas as deficiências nas projeções do regime próprio de Previdência para os servidores e militares. Ele ainda fez 20 recomendações ao governo, para melhorar ações relacionadas à execução do orçamento e balanço-geral da União.
O ministro citou outro processo da Corte, que concluiu que o governo baixou artificialmente o rombo com a previdência dos militares das Forças Armadas e, ao mesmo tempo, inflou a despesa com aposentadoria dos servidores civis.
Em seu relatório, ele destaca que houve superavaliação de R$ 49,2 bilhões nas contas do regime de servidores e um rombo de R$ 45,5 bilhões para os militares. "Essas distorções decorreram principalmente por falhas de mensuração".
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Além disso, foi identificada subavaliação de R$ 7,2 bilhões no passivo registrado na conta Provisão de Pensões Militares como consequência de erros nas bases de dados dos militares", destacou.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, acompanhou virtualmente a sessão do TCU, mas tinha sido convocado para ir à Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados justamente para falar sobre as inconsistências nos dados da Previdência já mostradas pelo TCU.
Quando um ministro é convocado, ele é obrigado a comparecer à audiência, sob pena de incorrer em crime de responsabilidade. Guedes justificou a ausência na Comissão por causa da participação na sessão de avaliação das contas do TCU.
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Em relação às demonstrações financeiras do Ministério da Economia, o ministro destacou a impossibilidade de emitir opinião.
Ele citou auditoria financeira que “indicou limitações relativas à confiabilidade e à transparência das informações referentes ao crédito tributário, à dívida ativa, à arrecadação tributária e aos riscos fiscais tributários, registrados ou evidenciados nas demonstrações contábeis do exercício de 2020 do Ministério da Economia, tendo em vista a impossibilidade de formação de evidência de auditoria apropriada e suficiente”.
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Apesar da expectativa, esse relatório não avaliou, no mérito, as questões relacionadas ao chamado orçamento paralelo. A análise sobre como as emendas de relator, chamadas de RP-9, foram usadas para destinar verbas a parlamentares aliados em troca de apoio político é feita em um processo à parte.
Ainda assim, o relator fez ponderações sobre as emendas. "A ausência de procedimentos sistematizados dificulta o monitoramento e avaliação dos critérios de distribuição de emendas RP-9, com riscos para a efetividade do planejamento governamental, bem como para a execução das metas, prioridades e até dos percentuais mínimos de alocação de despesas estipulados na Constituição Federal", apontou.
A análise do TCU sobre o assunto deve ser encaminhada para o Congresso em até dois meses, mas já há recomendações neste relatório. Em relação ao Orçamento de 2020 a recomendação é que se dê "ampla publicidade" aos documentos encaminhados aos órgãos e entidades federais que embasaram as demandas dos parlamentares contempladas pelas emendas do tipo RP-9.
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Já em relação a execução do orçamento de 2021, e que pode se tornar uma recomendação a ser adotada daqui para frente, é que todas as demandas dos parlamentares sejam registradas em uma plataform específicam que permita comparar e rastrear os dados dos pedidos de emenda e sua execução.
Esforço fiscal perdido
A avaliação da Corte indica que o rombo nas contas públicas no ano passado, que bateu R$ 743,1 bilhões – o equivalente a 10% do Produto Interno Bruto (PIB) – eliminou todo o esforço fiscal para conter o avanço das despesas entre 2016 e 2019.
Nesse período, a despesa manteve-se estável devido à fixação do teto de gastos, que limita o crescimento das despesas à inflação.
No relatório, o ministro Walton Alencar Rodrigues destacou que as despesas primárias excederam em R$ 467,6 bilhões o valor fixado no Orçamento de 2020. Na comparação com 2019, esses gastos subiram de 19,6% para 26,1% do PIB.
No ano passado, o governo pagou R$ 524 bilhões em créditos extraordinários com a adoção de medidas para enfrentar a pandemia da Covid-19, às custas do endividamento público. Isso fez com que a proporção da dívida pública em relação ao PIB saltasse de uma estimativa de 77,9% para 89,3%. Em 2019, fechou o ano em 75,8% do PIB.
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Um dos gastos mais relevantes do governo no ano passado foi com auxílio emergencial que consumiu R$ 293,1 bilhões. Criado em abril, o benefício foi alvo de investigação do TCU que identificou várias irregularidades no pagamento. A corte constatou que R$ 45,7 bilhões foram destinados a pessoas que não teriam direito ao auxílio.
O ministro Bruno Dantas, que foi relator dos processos de acompanhamento das medidas adotadas pelo governo no enfrentamento da Covid-19, chamou a atenção para o custo fiscal “sem precedentes" da crise sanitária. Apesar disso, ele observou que o governo conseguiu cumprir o teto de gastos com folga de R$ 52,2 bilhões, mesmo diante de um resultado primário deficitário recorde.
O ministro também mencionou o efeito positivo da transferência de uma parcela da reserva de resultados do Banco Central para o Tesouro Nacional da ordem de R$ 325 bilhões, em virtude de restrições nas condições de liquidez e risco ao refinanciamento da dívida pública.
Contudo, Dantas destacou que governo terá que reforçar as medidas de austeridade fiscal para colocar as finanças públicas em ordem porque não poderá mais se amparar na flexibilização das normais fiscais.
Ele afirmou que apesar da blindagem dada ao presidente Bolsonaro para enfrentar a pandemia, o governo federal deixou a desejar na execução de uma política de redução de riscos e exposição ao novo coronavírus:
— A falta de coordenação de ações sanitárias e preventivas mais básicas por parte do governo federal contribuiu para atingirmos uma das maiores taxas mundiais de mortes por milhão de habitante.