São necessários ajustes na reforma administrativa
É urgente a aprovação de uma reforma administrativa para aperfeiçoar a gestão do setor público, tomado por uma barafunda de carreiras, cargos e benesses que transformou o Estado numa máquina de gerar desigualdade. Outro objetivo da reforma é, naturalmente, garantir a melhora da saúde fiscal. O perigo, quando se trata de tema tão complexo e cheio de meandros, mora nos detalhes.
É o que deixa claro uma nota técnica elaborada pela Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle (Conorf), do Senado Federal, sobre o impacto fiscal da proposta enviada pelo governo ao Congresso. É verdade que ela adota um tom desnecessariamente crítico ao projeto — em particular, em relação aos pontos essenciais que procuram eliminar privilégios inaceitáveis do funcionalismo. Mesmo assim, certas questões levantadas pelo consultor legislativo Vinícius Leopoldino do Amaral são pertinentes e deveriam ser revistas pelo Congresso.
A principal: a proposta de mudar as regras para ocupar cargos em comissão e de confiança poderá fazer com que os governos federal, estaduais e municipais tenham 1 milhão — sim, 1 milhão — de postos para livre nomeação, um acréscimo de, pelo menos, 207 mil ao total atual. Mais que isso, a proposta afrouxa os critérios de nomeação, deixando de exigir qualificação mais rígida e abrindo brechas em áreas técnicas.
É totalmente discutível a estimativa de Amaral de que o projeto do governo poderia custar R$ 115 bilhões anuais aos cofres do governo. O pesquisador Daniel Duque, do Centro de Liderança Pública (CLP), estimou em R$ 736,4 bilhões a economia em dez anos, caso a proposta venha a incluir todos os funcionários públicos. De todo modo, a nota técnica da Conorf aponta mudanças que tenderiam a causar prejuízos, seja em virtude de incentivo à corrupção, seja pela perda de eficiência resultante da falta de preparo dos novos contratados.
Um ponto destacado por Amaral é o que veda a concessão de parcelas remuneratórias e indenizatórias a servidores, boa parte privilégios injustificáveis. Amaral lembra que, na maior parte dos órgãos da União, essas regras já mudaram, com as previsíveis exceções da magistratura e do Ministério Público. A incorporação de parlamentares, procuradores, magistrados e militares à reforma geraria economia de R$ 31,4 bilhões em dez anos, segundo Duque.
O Ministério da Economia defende a proposta de mudança como uma estratégia para profissionalizar posições de liderança na esfera pública e argumenta que regras mínimas para as contratações devem ser definidas por lei. Alega também que não cabe ao Executivo propor mudanças nas carreiras dos demais Poderes (uma justificativa falha).
Faz sentido atrair talentos da iniciativa privada para o setor público, eficiente em algumas áreas e carente em tantas outras. Mas, como o Brasil é o Brasil, sob o pretexto da meta de maior eficácia, pode haver uma nova expansão dos cabides de emprego. Sempre é bom lembrar que há outras maneiras de tornar o serviço público mais produtivo, como sistemas de promoção com incentivos na direção correta. É, por isso, recomendável que o Congresso faça as correções necessárias no texto, em particular a inclusão de todas as categorias do funcionalismo, e aprove quanto antes uma reforma administrativa ampla.
Fonte: O Globo